Autor: GDSolar – Powering Excellence

  • Veículos Elétricos: o que é tão importante quanto a tecnologia?

    Veículos Elétricos: o que é tão importante quanto a tecnologia?

    A percepção da eletrificação do setor de transporte é quase sempre associada à ideia de sustentabilidade ambiental e uso mais eficiente de recursos energéticos. Porém, quando se discute a disseminação dos veículos elétricos, especialmente os veículos leves para transporte de passageiros, na mesma proporção em que o assunto gera entusiasmo também surgem dúvidas quanto as consequências desta transformação.

    Da perspectiva do usuário, algumas incertezas que emergem são: a infraestrutura para recarga não ser ampla e capilarizada o suficiente, e a autonomia limitada dos veículos elétricos a bateria (VEBs) para se percorrer longas distâncias. Da perspectiva dos fabricantes, o custo das baterias ainda é um fator que limita a competitividade dos veículos elétricos. De acordo com o relatório da IRENA “Electric vehicles: Technology brief”, as baterias podem acrescentar até 10 mil dólares (em valor de 2015) ao preço final do veículo. Por isso, os veículos híbridos e híbridos plug-in (cujas baterias podem ser recarregadas por fonte externa) são um meio-termo: a economia de combustível pode compensar o acréscimo de preço; são menos poluentes, sobretudo em ciclo urbano, e oferecem autonomia para longas distâncias sem depender de infraestrutura para recargas extras. Da perspectiva da sociedade, a eletrificação pode significar redução da dependência de combustíveis tradicionais e reduzir as emissões para cumprir legislações locais, além de melhorar aspectos de saúde pública.

    Em qualquer análise, a comparação de qualquer veículo eletrificado com seus similares a combustão é inevitável. Enquanto a emissão de veículos a combustão é muito similar em qualquer país – muito devido ao fato de que os combustíveis de origem fóssil têm especificações muito parecidas ao redor do mundo – o mesmo não se pode dizer para os veículos elétricos porque a eletricidade é produzida a partir de fontes primárias distintas, desde recursos energéticos fósseis como carvão e gás natural, até recursos renováveis como as fontes hídricas, eólicas e solares. Em outras palavras, o glamour de um veículo elétrico que não emite CO2 ou outros poluentes durante o seu uso pode esconder a origem bem menos nobre da energia armazenada em sua bateria. Para uma simples comparação, um carro a combustão eficiente emite pouco menos de 100 g CO2/km rodado. Um VEB compacto se iguala em emissão se for recarregado com eletricidade produzida com fator de emissão de 400 g CO2/kWh (IRENA, 2017).

    Essa simples comparação mostra que a questão ambiental e sustentabilidade não podem ser endereçados simplesmente com a eletrificação. As emissões dos veículos elétricos dependem do recurso energético primário que irá produzir a eletricidade. Neste sentido, uma análise usual de ciclo de vida usada no setor de transportes é o Well-to-Wheel (WTW) ou ‘do Poço à Roda’ em uma tradução livre. O WTW indica, por exemplo, a quantidade de energia usada e a quantidade de CO2 emitido ao longo da cadeia energética durante o ciclo de vida de um veículo. O WTW é dividido em Well-to-Tank (WTT) ou ‘do Poço ao Tanque’ que engloba as etapas desde a produção do combustível (ou eletricidade) até os pontos de abastecimento (ou recarga) e Tank-to-Wheel (TTW) ou ‘do Tanque à Roda’ que engloba as etapas desde o abastecimento (ou recarga) do veículo até o seu uso efetivo. O WTW é útil para comparar a combinação entre tecnologias e recursos energéticos diferentes.

    Apesar do WTW ser sensível à intensidade de carbono na geração de eletricidade, qualquer grau de eletrificação tende a reduzir as emissões. A média mundial de emissões (gCO2_eq/km) é cada vez menor na seguinte ordem de tecnologias: combustão interna, híbrido, híbrido plug-in e VEB. Para os veículos eletrificados, as emissões têm grande variabilidade porque dependem do fator de emissão, mas o WTW pode estar muito próximo de zero para os VEBs cuja vantagem é a emissão local zero (TTW = 0 gCO2_eq/km).

    Em seu artigo, Ramachandran e Stimming (2015) concluem que as emissões dos VEBs são, em geral, mais baixas do que as dos veículos a combustão, mesmo em países com uma grande quantidade de eletricidade produzida pela queima de carvão; a eletricidade proveniente da conversão da energia solar e eólica apresentou a melhor combinação com os VEBs em termos de consumo global de energia (WTW). Para Zuccari et al. (2019) a disseminação dos veículos elétricos está relacionada ao desenvolvimento de infraestruturas adequadas e à eficiência e ao uso de energias renováveis para geração de eletricidade.

    Sob o olhar da análise ‘Well-to-Wheel’ a origem da eletricidade é tão relevante quanto a tecnologia de eletrificação veicular. Quando a eletrificação for competitiva ela poderá ser mais um estímulo para o emprego de recursos renováveis. A eletrificação do transporte demandará muita eletricidade limpa, uma ótima oportunidade para a energia solar que oferece uma das melhores combinações com as tecnologias de eletrificação. Atualmente, para abastecer nossos carros a combustão, verificamos a qualidade e procedência do combustível; amanhã, com carros híbridos ou elétricos, não será diferente.

    Referências

    IEA. Well-to-wheels greenhouse gas emissions for cars by powertrains. IEA, Paris. Publicado em 19 de abril de 2021. Disponível em https://www.iea.org/. Acesso em 7 de dezembro de 2021.

    IRENA. Electric Vehicles: Technology Brief. Publicado em fevereiro de 2017. Disponível em https://www.irena.org/. Acesso em 8 de dezembro de 2021.

    Ramachandran, S.; Stimming, U. Well to wheel analysis of low carbon alternatives for road traffic. Energy & Environmental Science, 8, pp. 3313-3324, 2015. https://doi.org/

    Zuccari, F.; Orecchini, F.; Santiangeli, A.; Suppa, T.; Ortenzi, F.; Genovese, A.; Pede, G. Well to wheel analysis and comparison between conventional, hybrid and electric powertrain in real conditions of use. Anais da Conferência da American Institute of Physics (AIP) 2191, 020158, 2019. https://doi.org/

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  • ESG: os meios são tão importantes quanto o fim

    ESG: os meios são tão importantes quanto o fim

    Num passado não tão distante, um extenso relatório financeiro era suficiente para demostrar a saúde financeira de uma empresa e sua capacidade para continuar crescendo. Os investidores pouco sabiam sobre os meios adotados pela empresa, mas, se os números fossem bons, era quase certo de que o investimento também seria. Os índices financeiros apoiavam quase que exclusivamente a tomada de decisão, não importasse como o lucro fosse perseguido.

    Nos últimos anos, entretanto, o perfil de investimento tem mudado e o investimento ESG, sigla para Environmental, Social, and Governance, é uma realidade. No Brasil, a tradução literal criou a sigla ASG (Ambiental, Social e Governança) para identificar a mesma tríade. O fato é que os investidores estão aplicando cada vez mais esses fatores não financeiros como parte de seu processo de análise para identificar riscos materiais e oportunidades de crescimento (CFA INSTITUTE, 2021). Os critérios ambientais consideram a relação de uma empresa com o meio ambiente, desde o seu consumo de energia e disposição de resíduos até a emissão de gases de efeito estufa. Os critérios sociais incluem todos os aspectos humanos dentro e fora da empresa, desde o relacionamento com colaboradores até o impacto social nas comunidades com quem se relacionam. O critério de governança engloba os procedimentos, protocolos e controles internos e define como a empresa se comporta para cumprir leis e dar transparência às suas práticas.

    Embora não exista um método padronizado para quantificar o score ESG de uma empresa, as informações e dados que a empresa publica para demonstrar, por exemplo, seu esforço para melhorar sua eficiência energética, ou buscar ativamente o desenvolvimento da comunidade ao seu redor por meio de ações diversas e inclusivas, ou ainda quando estabelece processos claros e se posiciona firmemente contra práticas de corrupção e lobby, dizem muito sobre a sua postura para perseguir o seu propósito empresarial, criar valor e resultados. Se antes essas iniciativas eram consideradas subjetivas e secundárias, agora são efeitos de valores empresariais que podem ressonar com os dos investidores. Do outro lado, clientes e consumidores estão mais conscientes da mudança climática e se importam com produtos e serviços que preservam a natureza. Muitos estão dispostos a pagar mais por um produto ou serviço ‘verde’. Essa mudança de hábito realimenta a ideia da sustentabilidade, por isso, algumas empresas não querem ser vistas por clientes e investidores como uma ‘caixa preta’ e preferem publicar suas metas sustentáveis, geralmente de longo prazo, como uma estratégia empresarial duradoura.

    Em duas pesquisas realizadas pela McKinsey sobre ESG, uma em 2009 e outra em 2019, a porcentagem de executivos e profissionais de investimento pesquisados, que acreditam que programas ESG criam valor para os acionistas, aumentou. Agora, os que acreditam são a maioria (57%); a incerteza sobre a criação de valor diminuiu de 25% para 14%. A pesquisa ainda aponta que uma das formas que os programas ESG melhoram a performance financeira das empresas é manter uma boa reputação empresarial e atrair e reter talentos. Atingir expectativas da sociedade com relação à postura empresarial também foi um dos itens que mais cresceu entre as duas pesquisas. A Conformidade (compliance) com regulamentações e transparência figuram como as atividades mais importantes relacionadas às práticas ESG.

    Agora, as atenções estão voltadas para o ESG e os investimentos refletem isso:

    “Pensar e atuar em ESG de forma proativa tem se tornado ainda mais urgente. (…) Imbuído desse espírito, o investimento em ESG teve um crescimento meteórico. O valor global destinado a sustentabilidade hoje chega a $ 30 trilhões [de dólares] (68% maior desde 2014 e 10 vezes maior desde 2004). A aceleração tem sido motivada pelo aumento da atenção social, governamental e do consumidor para o maior impacto das empresas, assim como investidores e executivos que perceberam que uma proposta de ESG mais sólida pode ajudar a garantir o sucesso da empresa no longo prazo.” (McKinsey & Company, 2021)

    No início dos anos 2000 a temática sustentável não atraía investimentos significativos para as empresas, mas atualmente o cenário global é diferente. A Bloomberg estima que os ativos ESG sob gestão podem superar um terço do total global projetado até 2025. No Brasil, a performance de empresas que zelam pelo ESG pode ser comparada com o Ibovespa, o principal índice das ações negociadas na bolsa. O ISE B3, Índice de Sustentabilidade Empresarial da B3, é um índice que mede o retorno médio de uma carteira teórica de ativos de empresas listadas com as melhores práticas em sustentabilidade (B3, 2021). O ISE B3 foi criado em 2005 e, desde então (até 25 de novembro de 2020), valorizou 294,73%, enquanto o Ibovespa teve alta de 245,06%. A volatilidade do ISE B3 foi de 25,62%, contra 28,10% do Ibovespa (Lewgoy, 2020). A diferença de performance do ISE B3 entre 2012 e 2017 em relação ao Ibovespa é mais nítida. Neste período o ISE B3 performou sempre acima do Ibovespa.

    Não ao caso, recentemente, o Ministério do Desenvolvimento Regional lançou o “Estratégia Investimento Verde” que visa contratar projetos que priorizam critérios ambientais, sociais e de governança em obras públicas de infraestrutura. O Governo Federal assinou Acordos de Cooperação Técnica com oito associações do setor privado, entre elas o Sebrae.

    Investimentos ESG no Brasil devem crescer daqui para frente. O relatório “Oportunidades de Investimento em Infraestrutura Sustentável no Brasil”, publicado pelo Brazil Green Finance Programme em março de 2021, projeta a necessidade de investimento em infraestrutura sustentável no Brasil entre 3,5 trilhões e 3,6 trilhões de reais entre 2020 e 2040. Projetos de infraestrutura sustentáveis são todos aqueles que em seu ciclo de vida garantem sustentabilidade econômica e financeira, ambiental, social e institucional. O destaque, porém, está em dois setores: infraestrutura de energia de baixo carbono e telecomunicações.

    A infraestrutura de energia de baixo carbono, que compreende a geração centralizada com fontes renováveis, geração distribuída (sobretudo com solar fotovoltaica), infraestrutura de transmissão e distribuição de energia elétrica e usinas de produção de biocombustíveis, representa 27% do total de investimentos projetados para o período, ou seja, 968 bilhões de reais, com capacidade para criar 1,2 milhão de vagas de emprego neste setor. Estima-se que, somente a geração distribuída fotovoltaica, demandará 106 bilhões de reais até 2040.

    O ESG, portanto, é uma lente de aumento sobre as operações e o comportamento das empresas. O perfil dos investimentos tem mudado e os valores e as boas práticas corporativas fazem toda a diferença para a tomada de decisão dos investidores. Os critérios ESG definitivamente agregam valor e clientes e consumidores estão dispostos a pagar mais por produtos e serviços de empresas que se esforçam para cuidar da natureza, que são mais inclusivas e transparentes. Investidores, por sua vez, tentarão capturar os resultados financeiros destas mudanças. O lucro continua sendo o objetivo fundamental das empresas e dos acionistas, mas com o ESG, os meios são tão importantes quanto o fim.

    Referências

    B3. Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE B3). Disponível em https://www.b3.com.br/. Acesso em 7 de outubro de 2021.

    Bloomberg. ESG assets may hit $53 trillion by 2025, a third of global AUM. Bloomberg Intelligence. Publicado em 23 de fevereiro 2021. Disponível em https://www.bloomberg.com/. Acesso em 8 de outubro de 2021.

    Brazil Green Finance Programme. Oportunidades de Investimento em Infraestrutura Sustentável no Brasil. Publicado em 16 de março de 2021. Disponível em https://ukbrazilgreenfinanceprogramme.com/. Acesso em 8 de outubro de 2021.

    CFA INSTITUTE. ESG Investing and Analysis. Disponível em https://www.cfainstitute.org/. Acesso em 4 de outubro de 2021.

    Governo do Brasil. Projetos vão priorizar critérios ambientais, sociais e de governança. Publicado em 1º de setembro de 2021. Disponível em https://www.gov.br/. Acesso em 4 de outubro de 2021.

    Júlia Lewgoy. Bolsa divulga empresas do índice de sustentabilidade de 2021. Veja a lista. Valor Investe. Publicado em 1° de dezembro de 2020. Disponível em https://valorinveste.globo.com/. Acesso em 10 de outubro de 2021.

    McKinsey & Company. The ESG premium: new perspectives on value and performance. McKinsey Sustainability. Publicado em 12 de fevereiro de 2020. Disponível em https://www.mckinsey.com/. Acesso em 7 de outubro de 2021.

    McKinsey & Company. Práticas ESG podem criar valor de cinco formas. Publicado em 30 de junho de 2021. Disponível em https://www.mckinsey.com/. Acesso em 8 de outubro de 2021.

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  • Transformações nos Transportes

    Transformações nos Transportes

    De tempos em tempos transformações profundas marcam a história. Muitas vezes chamadas de revoluções, elas são referências para futuras gerações pela relevância com que modificaram padrões existentes a décadas ou séculos. As transformações não ocorrem ao acaso e normalmente são produto de muitos ‘pequenos’ aperfeiçoamentos e evoluções que convergem num ponto da história. Elas ocorrerem em diversas áreas como cultura, religião, política, ciência, economia etc. Neste artigo abordamos as transformações tecnológicas mais relevantes e suas bases energéticas aplicadas ao setor de transporte.

    A primeira revolução industrial marca o surgimento da indústria e seus processos mecanizados a partir da segunda metade do século 18. Essa transformação foi sustentada energeticamente pelo uso de combustíveis fósseis. Na área tecnológica, uma sequência de aperfeiçoamentos culminou em uma engenhosa máquina capaz de converter energia térmica em movimento: o icônico motor a vapor. Apesar da contínua evolução por décadas, o motor a vapor era muito pouco eficiente energeticamente. O combustível dos motores a vapor era o carvão, o primeiro combustível fóssil empregado pela humanidade. Com ele, locomotivas e barcos a vapor transformaram definitivamente o transporte no século 19. Em 1830, a primeira ferrovia pública foi inaugurada conectando Liverpool a Manchester, na Inglaterra. A distância de algumas dezenas de quilômetros era percorrida pela Rocket, locomotiva a vapor que alcançava máximos 48 km/h.

    Uma segunda fase de transformações está relacionada ao petróleo, o segundo recurso fóssil empregado, cuja extração foi originalmente incentivada para se obter querosene, um iluminante mais barato. A indústria moderna do petróleo começou em Baku, Azerbaijão, em 1846. Nos EUA, a exploração de petróleo foi iniciada por Edwin Drake, em 1859 (SMIL, 2017). Esse novo recurso foi a base energética de uma inovação tecnológica que habilitou outras modalidades de transporte: o motor a combustão.

    No início do século 20 o modelo T da Ford massificou o transporte flexível. O preço acessível do automóvel fez do transporte individual uma escolha sobre outras modalidades. Mas antes do Ford T, veículos elétricos já existiam e se tornaram populares na virada para o século 20 e, na primeira década do século 20, somavam um terço de todos os veículos nos EUA. O que poucos sabem é que Thomas Edison – famoso pela invenção da lâmpada de filamento incandescente – julgava os veículos elétricos superiores aos veículos a combustão e trabalhou no aperfeiçoamento de baterias (DOE, 2021). A história de Edison com a eletricidade é ainda mais impressionante: ele inaugura, em 1882, as primeiras centrais de geração elétrica (uma em Londres e a outra em Manhattan, Nova Iorque) e dá o pontapé para a comercialização de eletricidade como a conhecemos hoje.

    Embora os primeiros passos do automóvel moderno foram dados no mundo da eletricidade, em poucos anos os veículos elétricos se tornariam memórias foscas. O motor a combustão ganhou a disputa devido a enorme oferta de derivados do petróleo. A aviação também se valeu deste combustível e ajudou o transporte com viagens mais rápidas, cruzando países e oceanos. O carvão continuou relevante em vários países por muitas décadas, sobretudo para geração de energia elétrica, mas aos poucos sua participação percentual foi substituída pelo petróleo e o gás natural; esse último o terceiro combustível fóssil que formou a base energética da economia desde o século 20. O petróleo, entretanto, se tornou o recurso preferencial devido a sua versatilidade para múltiplas aplicações, propiciando crescimento econômico mundial sem precedentes. O comércio internacional, apoiado pelo transporte intercontinental com grandes navios de carga, seguiu essa intensidade econômica. O combustível destes navios é o bunker, uma mistura de derivados pesados do petróleo.

    Até o final da década de 1950, as bases do transporte moderno de passageiros e de carga estavam postas. As máquinas continuaram evoluindo e ganharam, sobretudo, eficiência energética. Porém, em 2015, os setores que mais contribuíram para emissão de CO2 (subproduto da queima dos combustíveis fósseis) foram a geração de eletricidade (e calor) e transportes com 41% e 24%, respectivamente. No mesmo ano, o setor de transportes, sozinho, demandou energeticamente quase dois terços dos produtos de petróleo (IEA, 2021).

    O controle mais rígido de emissões de poluentes e a agenda de desenvolvimento sustentável nas últimas décadas renovou o interesse da indústria automotiva pelos veículos elétricos e híbridos, mais eficientes do ponto de vista energético. Faz sentido eletrificar esse setor para reduzir a demanda de petróleo e atender às regulamentações ambientais, desde que a energia para recarregar as baterias elétricas venha de fontes limpas. Atualmente, as fontes limpas mais baratas para geração elétrica em grande escala (na chamada geração centralizada) são a eólica e a solar. Em pequena escala (na geração distribuída), a tecnologia fotovoltaica é muito competitiva e versátil, tanto em pequenos sistemas residenciais como em parques solares.

    Até aqui as transformações no transporte foram sustentadas pelo acesso aos estoques fósseis abundantes (carvão, petróleo e gás natural) e o setor se desenvolveu intensamente pautado no carbono com uma longa cadeia de transformação energética. Com novas tecnologias competitivas em custo e a necessidade de desenvolvimento sustentável com equilíbrio de emissões, a eletricidade limpa pode ser o próximo combustível do setor. Uma nova base energética – proveniente das fontes solar e eólica – está se formando para parte do setor, principalmente para o transporte terrestre de passageiros e de carga. Os ingredientes estão se agregando: recurso energético inesgotável e acessível, competitividade de custo e possibilidade de obtenção da energia sem intermediários. Essa transformação, já em curso, é uma evolução natural, mas pode ser vista por futuras gerações como uma revolução que findou quase dois séculos de hegemonia dos combustíveis fósseis.

    Referências

    DOE (Departamento de Energia dos EUA). Timeline: History of the Electric Car. Disponível em https://www.energy.gov/. Acesso em 08 de setembro de 2021.

    IEA. Oil. Disponível em https://www.iea.org/. Acesso em 09 de setembro de 2021.

    SMIL, Vaclav. Energy: a beginner´s guide. 2ª ed. Oneworld Publications, 2017.

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  • Geração Fotovoltaica: além da energia

    Geração Fotovoltaica: além da energia

    A primeira conferência mundial sobre meio ambiente foi promovida pelas Nações Unidas em junho de 1972, em Estocolmo, Suécia. A conferência marcou o início de diálogo entre países sobre problemas ambientais e a relação entre o crescimento econômico, a poluição do ar, da água e dos oceanos e o bem-estar da população mundial.

    Vinte anos depois, em 1992, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento foi realizada no Rio de Janeiro e ficou conhecida internacionalmente como Cúpula da Terra (Earth Summit) ou ECO-92, aqui no Brasil. O objetivo era criar um plano de ação internacional em questões ambientais e de desenvolvimento, o que resultou na chamada Agenda 21, um programa para alcançar o desenvolvimento sustentável global no século 21. A Conferência também destacou que aspectos sociais, econômicos e ambientais são interdependentes e evoluem juntos. A melhoria em um aspecto requer ações em outros para que todos sejam sustentáveis ao longo do tempo.

    A partir de 1995 as Nações Unidas passaram a organizar conferências sobre a mudança climática. As Conferências das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima ocorrem anualmente e são denominadas de COP (Conference of the Parties). As mais memoráveis foram a COP 3, ocorrida em 1997, em Quioto, Japão e a COP 21, ocorrida em Paris, França. Destas duas Conferências resultaram o Protocolo de Quioto e o Acordo de Paris, respectivamente. O primeiro determinou a redução mandatória da emissão de gases de efeito estufa para alguns países cujo efeito mais direto é o aquecimento global; o segundo determinou metas de redução da emissão de gases de efeito estufa para que o aquecimento global fique bem abaixo de 2 °C, de preferência a 1,5 °C, em comparação com os níveis pré-industriais (UNFCCC, 2021).

    Desde então, temas como a mudança climática e sustentabilidade são recorrentes nas agendas políticas e econômicas porque os efeitos da mudança climática são danosos e podem ser irreversíveis. Os efeitos sobre o meio ambiente incluem o agravamento de secas ou alagamentos e consequente desequilíbrio da biodiversidade. Para os humanos as consequências tendem para a escassez de água e alimentos.

    O primeiro passo para mitigar os efeitos da mudança climática é reduzir a emissão de gases de efeito estufa, principalmente o dióxido de carbono (CO2) e o metano (CH4). O elemento comum nestes dois gases é o carbono. Por isso, governos e empresas têm se preocupado com as consequências de suas atividades para as futuras gerações e buscam formas de descarbonizar suas atividades. Isso requer o consumo de energia produzida com menos ou nenhuma queima de combustíveis fósseis (carvão, derivados do petróleo e gás natural); em outras palavras é preciso substituir o consumo de energia fóssil por energia limpa, produzida a partir de fontes renováveis.

    Os gases de efeito estufa são emitidos principalmente pela queima de combustíveis fósseis em vários setores e atividades humanas. O setor energético, que engloba a produção de eletricidade e calor e o setor de transporte como um todo, é responsável por 73,2% da emissão de gases de efeito estufa em nível mundial. Somente a eletricidade consumida em edificações e pela indústria em geral responde por 41,7% do total de emissões. As emissões pelo transporte rodoviário (veículos leves e pesados) respondem por 11,9% do total na proporção de 60/40 para o deslocamento de passageiros e transporte de cargas, respectivamente (RITCHIE; ROSER, 2020).

    O uso de recursos renováveis como solar, eólica, hídrica e biomassa ajuda a descarbonizar a geração elétrica. As duas últimas, entretanto, dependem de regimes hidrológicos ou diretamente da água, concorrendo com a agricultura e o consumo humano. No transporte, os biocombustíveis (etanol e biodiesel) já são um passo importante para a redução de gases de efeito estufa do setor.

    Os veículos elétricos e híbridos são outra opção e podem ajudar a reduzir drasticamente o uso de combustíveis de origem fóssil como a gasolina e o diesel. A eletricidade para a recarga das baterias, contudo, precisa vir de fontes limpas e estar amplamente disponível geograficamente para terem efeito sobre a redução das emissões. Aliás, com o declínio do preço das baterias, a eletrificação do transporte de passageiros pode chegar a 70% até 2050 com a eletricidade abastecendo 43% do consumo total de energia do setor de transportes (IRENA, 2019).

    Por esta razão, reduzir emissões da geração elétrica e do transporte deve ser o objetivo central para mitigar os efeitos da mudança climática. A combinação da geração distribuída fotovoltaica com a eletrificação do transporte tem apelo sustentável com redução das emissões aliado à potencial redução de custos operacionais, além do fato da geração fotovoltaica estar amplamente disponível. A geração distribuída fotovoltaica e a eletrificação do transporte, juntos, podem acelerar muito o desenvolvimento sustentável com baixo carbono e evoluir simultaneamente os aspectos social, econômico e ambiental em detrimento de apenas um deles.

    Referências

    IEA (2019). World Energy Outlook 2019. Acesso em 12 de junho de 2020. Disponível em https://www.iea.org/.

    UNITED NATIONS FRAMEWORK CONVENTION ON CLIMATE CHANGE (UNFCCC). The Paris Agreement. Acesso em 13 de setembro de 2021. Disponível em https://unfccc.int/process-and-meetings/.

    UNITED NATIONS. United Nations Conference on the Environment, 5-16 June 1972, Stockholm. Acesso em 16 de julho de 2021. Disponível em https://www.un.org/.

    UNITED NATIONS. United Nations Conference on Environment and Development, Rio de Janeiro, Brazil, 3-14 June 1992. Acesso em 16 de julho de 2021. Disponível em https://www.un.org/.

    RITCHIE, H.; ROSER, M. (2020). CO₂ and Greenhouse Gas Emissions. Publicado online em OurWorldInData.org. Acesso em 16 de julho de 2021. Disponível em: https://ourworldindata.org/.

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  • Estimando o Potencial Fotovoltaico Brasileiro

    Estimando o Potencial Fotovoltaico Brasileiro

    Estimar o potencial fotovoltaico requer conhecimento dos fatores necessários para a geração de eletricidade a partir da luz solar. O fator mais importante é a irradiação solar disponível, ou seja, a quantidade de energia incidente e acumulada em certa área e em dado intervalo de tempo. Outro fator importante é a área disponível para a instalação de módulos fotovoltaicos.

    As reações de fusão termonuclear de átomos de Hidrogênio formam átomos de Hélio no interior do Sol e liberam 3,85 × 1026 Joules de energia por segundo ou 3,85 × 1014 TW (1 Terawatt [TW] = 1 × 1012 W) (SMIL, 2002). Deste fluxo imenso, uma fração infinitamente pequena é interceptada pela Terra que, em um ano inteiro, recebe cerca de 1,52 × 109 TWh de irradiação solar; quantidade superior a qualquer outro recurso natural terrestre disponível. Como o Sol continuará a irradiar energia por bilhões de anos, a energia solar é considerada inesgotável.

    Ainda que a luz solar que incide na superfície terrestre seja, em média, a metade do fluxo de energia no topo da atmosfera e, a tecnologia fotovoltaica atual consiga converter aproximadamente 20% da luz solar em eletricidade, cerca de 1,52 × 108 TWh é o potencial teórico global para geração fotovoltaica. Em 2018, o consumo mundial anual de eletricidade foi de quase 25.000 TWh (IRENA, 2021), 6.000 vezes menor (ou 0,0165%) do que o potencial teórico. Portanto, 86 minutos de Sol são suficientes, teoricamente, para suprir todo o consumo anual de eletricidade da humanidade.

    Entretanto, tecnicamente, o potencial de conversão fotovoltaica é bem menor. Áreas imensas de superfície marítima ou protegidas ambientalmente, por exemplo, não podem ser utilizadas para instalação de sistemas fotovoltaicos. Em geral, áreas para instalação dependem da presença de redes de transmissão e distribuição elétrica. Em 2004, o potencial técnico global para instalação de sistemas fotovoltaicos on-grid (conectados à rede elétrica) foi avaliado em cerca de 370.000 TWh (HOOGWIJK, 2004), quase 15 vezes maior do que o consumo mundial. Neste caso, são necessários aproximadamente três semanas e meia de Sol para suprir todo o consumo anual.

    Contudo, o potencial técnico difere em cada país de acordo com a irradiação solar disponível (variável com a latitude), as condições meteorológicas locais e a área disponível para instalação. No Brasil, país com grande extensão territorial, as latitudes variam de + 5° 16’ (norte) na Nascente do Rio Ailã, no estado de Roraima, a – 33° 45’ (sul) no Arroio Chuí, no estado do Rio Grande do Sul (IBGE, 2021). Por isso, o rendimento energético anual de sistemas fotovoltaicos também varia bastante desde 1.100 a 1.800 kWh/kWp (PEREIRA et al., 2017). Os dados de rendimento constam na segunda edição do Atlas Brasileiro de Energia Solar e consideram tanto o desempenho de sistemas fotovoltaicos de grande porte para geração centralizada (GC) quanto o de sistemas de pequeno porte instalados para geração distribuída (GD).

    A disponibilidade de área é um fator importante para se estimar o potencial técnico fotovoltaico. De acordo com KORFIATI et al. (2016) o potencial técnico brasileiro para sistemas fotovoltaicos de pequeno porte instalados em telhados (fundamentalmente micro GD) é de 214,27 TWh por ano. O resultado corresponde a 124,4% da eletricidade consumida em residências brasileiras de acordo com a projeção do Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE 2030) para 2025.

    Considerando-se a mini GD (usinas de até 5 MW) em locais apropriados, a geração fotovoltaica anual poderia produzir uma parcela significativa do consumo total de eletricidade no Brasil, previstos em 640 TWh para 2025. Um outro cálculo mais simples prevê crescimento no consumo total brasileiro de 216 TWh nos próximos anos (de 546 TWh em 2019 para 762 TWh em 2030). Tal crescimento pode ser parcialmente coberto pela micro e minigeração fotovoltaica se sua adoção puder ser acelerada.

    O potencial estimado da geração fotovoltaica brasileira já é suficiente para suprir parcela significativa do consumo de eletricidade no País. Com o avanço da tecnologia e queda dos custos de geração, esse potencial pode ser ainda maior e tornar a GD fotovoltaica uma das fontes mais expressivas nos próximos anos.

    Referências

    HOOGWIJK, M. M. On the Global and Regional Potential of Renewable Energy Sources. Universidade de Utrecht, Holanda, 2004.

    IBGE. Brasil em Síntese. Acesso em 04 de julho de 2021. Disponível em https://brasilemsintese.ibge.gov.br/.

    IRENA. Electricity. Acesso em 02 de julho de 2021. Disponível em https://www.iea.org/.

    KORFIATI, A. et al. Estimation of the Global Solar Energy Potential and Photovoltaic Cost with the use of Open Data. International Journal of Sustainable Energy Planning and Management, Vol. 09, pp. 17-30, 2016.

    MME/EPE. Plano Decenal de Expansão de Energia 2030. 2021.

    PEREIRA, E. B.; MARTINS, F. R.; GONÇALVES, A. R.; COSTA, R. S.; LIMA, F. L.; RÜTHER, R.; ABREU, S. L.; TIEPOLO, G. M.; PEREIRA, S. V.; SOUZA, J. G. Atlas brasileiro de energia solar. 2. ed. São José dos Campos: INPE, 2017. 80 p. Disponível em: http://doi.org/.

    SMIL, V. The Earth´s Biosphere – Evolution, Dynamics, and Change. MIT Press, Cambridge Massachusetts. Londres, 2002.

    Foto de capa: Atlas Brasileiro de Energia Solar do CPTEC/INPE

  • Marco Legal da Geração Distribuída: como será a geração remota?

    Marco Legal da Geração Distribuída: como será a geração remota?

    O projeto de lei (PL) nº 5.829 foi finalmente aprovado pela Câmara dos Deputados no último dia 18 de agosto. O PL 5.829 institui o marco legal da Microgeração e Minigeração Distribuída e o Sistema de Compensação de Energia Elétrica (SCEE); esse último, alvo de grande polêmica desde 2018 que levou à criação de muitos PLs. Após a apreciação do Senado Federal e homologação pelo Presidente da República, a matéria se tornará lei e trará a segurança jurídica ao setor, deixando de ser tratada somente no âmbito regulatório da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). Com diversas modificações sobre a resolução que incentivou a geração distribuída (GD) no País, a GD fotovoltaica (FV) remota deverá crescer de forma mais equilibrada com benefícios para a sociedade como um todo.

    Após 22 meses da apresentação pelo Deputado Silas Câmara do Republicanos-AM, em novembro de 2019, o PL 5.829 modificará a conhecida resolução normativa (REN) nº 482, publicada em 2012. Esse PL e muitos outros são produto de intensa polêmica criada desde 2018 quando a ANEEL sugeriu mudanças no SCEE com a finalidade de modificar a compensação integral, um incentivo que permitiu o crescimento rápido da GD com ótimos prazos de retorno de investimento (payback) e ótimas taxas internas de retorno. Do outro lado, havia pressões para remuneração pelo uso da rede elétrica pelo consumidor-gerador, principalmente para empreendimentos de minigeração remota (geração longe da carga) em que a geração é exportada para a rede elétrica praticamente em sua totalidade.

    Sugestões e Propostas Anteriores para a GD Remota

    Em 2018 a ANEEL estudou impactos da GD e sugeriu seis cenários (alternativas) de alteração para o SCEE. Para a GD remota, a análise sugeriu a iminência de desequilíbrio econômico e propôs dois gatilhos de potência: 1,25 GW, esperado para 2022 (atualmente o Brasil tem 1,34 GW na modalidade autoconsumo remoto) e 2,13 GW, esperado para 2025. Neste estudo, toda a GD remota deveria se enquadrar, após os gatilhos e prazos estabelecidos, na alternativa 3 (sem compensação das componentes tarifárias Fio A, Fio B e encargos da distribuição); geradores existentes permaneceriam 25 anos sem alteração da regra, geradores instalados até o primeiro gatilho teriam 10 anos sem alteração e geradores instalados entre os dois gatilhos passariam 10 anos sem compensação do Fio B (componente tarifária da distribuição).

    Em 2019 a ANEEL publicou sua proposta de revisão da REN 482 e mudou significativamente as regras para a GD remota analisadas no ano anterior. Os geradores existentes permaneceriam sem alteração da regra até 2030 – e sem gatilho de potência – e imediatamente depois passariam para a alternativa 5 em que apenas a componente tarifária relativa a própria energia produzida seria compensada. Os novos geradores entrariam diretamente na alternativa 5, sem período de transição. Essa proposta criou grande embate no setor e paralisou tentativas de revisar a REN.

    Mudanças do PL 5.829 para a GD Remota

    Um dos primeiros pontos que o PL 5.829 altera é o limite de capacidade instalada de fontes não despacháveis que passa para 3 MW (antes era 5 MW para a geração FV). Outro ponto importante é a manutenção da regra estabelecida pela REN 482 para microgeradores e minigeradores existentes (e seus beneficiários) até fim de 2045, ou que solicitem acesso de conexão até 12 meses após a publicação da lei. A segurança regulatória gerou bastante embate quando as sugestões anteriores propuseram alteração das regras atuais até mesmo para sistemas já conectados.

    Geradores distribuídos conectados após 12 meses da publicação da lei ficarão sujeitos ao período de transição – de 2023 a 2028 – em que a compensação deixa de ser integral. De forma escalonada, deixa-se de compensar sobre toda a energia elétrica com valores percentuais, que variam ano após ano de 15% a 90%, das componentes tarifárias relativas à distribuição que são: a remuneração e a quota de depreciação dos ativos do serviço de distribuição e o custo de operação e manutenção do serviço de distribuição.

    Conforme o texto do PL 5.829, para as unidades de minigeração distribuída acima de 500 kW com fonte não despachável na modalidade autoconsumo remoto, ou na modalidade geração compartilhada em que um único titular detenha 25% ou mais da participação do excedente de energia elétrica, o faturamento de energia das unidades participantes do SCEE deve considerar, até 2028, a incidência de 100% das componentes tarifárias relativas à distribuição, 40% das componentes tarifárias relativas ao uso dos sistemas de transmissão e 100% dos encargos de Pesquisa e Desenvolvimento e Eficiência Energética e Taxa de Fiscalização de Serviços de Energia Elétrica.

    Considerações Finais

    Depois de muitas alterações em seu texto e quase dois anos de discussão com o setor, o PL 5.829 se tornará a primeira lei que equilibra o crescimento da GD garantindo sustentabilidade econômica para todos os envolvidos. O ponto mais importante da lei, à parte das novas regras para o SCEE, é a garantia da regra atual para os geradores existentes e um período de transição relativamente longo para manter a atratividade da GD, especialmente na modalidade remota.

    Em curto prazo (até 12 meses da publicação) é razoável esperar intensa busca pela GD e à medida que a lei se mostrar economicamente equilibrada para empresas e consumidores, a tendência será um crescimento sólido e progressivo. O amparo legal encerrará, por ora, as divergências sobre o tema, mas o diálogo se manterá aberto porque a lei dá prazo para que atributos positivos da GD sejam indicados pelo setor. O PL 5.829 avança essencialmente no equilíbrio econômico da GD, mas deixa portas abertas para que as discussões avancem para outras questões, por exemplo, questões técnicas, sociais e ambientais. O marco legal, portanto, é um passo importante para a valorar a GD como uma das transformações mais importantes da atualidade na sociedade brasileira.

    Referências

    ANEEL. Geração Distribuída. Acesso em 23 de agosto de 2021. Disponível em www.aneel.gov.br.

    Câmara, S. (2019). Projeto de Lei nº 5.829, de 2019. O art. 26 da Lei nº 9.427, de 26 de dezembro de 1996, passa a vigorar com as seguintes redações. Câmara dos Deputados. Acesso em 20 de agosto de 2021, disponível em www.camara.leg.br.

    Foto de capa de Mariana ProençaUnsplash 

  • ESG e Geração Distribuída ganham o mercado

    ESG e Geração Distribuída ganham o mercado

    O conceito ESG (Environmental, Social and Governance) está longe de ser um modismo de mercado passageiro. Líderes institucionais ao redor do mundo têm apontado o tema como a grande aposta para fazer negócios. 

    Já se pode notar o seu impacto através do uso responsável de recursos naturais e das boas práticas sociais e de governança adotadas por empresas, investidores e mercados.

    Isso porque os efeitos das mudanças climáticas e da pandemia do Covid-19 aceleraram as transformações na mentalidade empresarial e financeira em escala mundial, além de terem intensificado a necessidade na adoção de ações mais sustentáveis, transparentes e inclusivas.

    O comprometimento com o tema não só melhora a imagem, mas aumenta a geração de receitas e o acesso a condições financeiras mais vantajosas, o que permite uma posição mais competitiva em relação aos concorrentes que não fazem o mesmo. Já se sabe que empresas que adotam o conceito de ESG recebem maior destaque no mercado.

    Como o Brasil possui ampla riqueza natural, diversidade energética e um grande potencial em energias limpas e renováveis, ele se torna protagonista no setor. Com isso, muitas empresas já se adaptaram a essas novas práticas, e a geração solar distribuída é fundamental para a construção de práticas de ESG.

    Por exemplo, empresas que optam pela geração de energia solar deixam de emitir toneladas de CO2 na atmosfera ao ano, ou ainda podem ter uma redução de 10% a 20% em relação ao custo de energia elétrica convencional, dentre outros benefícios.

    Diante desse protagonismo brasileiro, a incorporação do conceito ESG através de um sistema de energia fotovoltaica é o caminho.

    Esses esforços na transição para uma economia sustentável podem trazer ao país uma grande vantagem competitiva, já que os conceitos de geração distribuída e ESG serão consolidados como uma nova forma de colocar em prática princípios transformadores, alinhados às novas estratégias de negócios.


    Fontes: EMGD – Empresa Mineira de Geração Distribuída, CanalEnergia e Absolar.

    Foto de capa: Markus SpiskeUnsplash

  • Expansão da geração distribuída com a tecnologia fotovoltaica

    Expansão da geração distribuída com a tecnologia fotovoltaica

    A expectativa de expansão da geração distribuída (GD) é bastante significativa segundo o Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) para o decênio 2021-2030. De acordo com o relatório elaborado pelo Ministério de Minas e Energia (MME) e pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), a micro e minigeração distribuída (MMGD), que inclui geração solar fotovoltaica, termelétrica a biomassa, eólica e geração através de CGH (Central Geradora Hidrelétrica)1 deve alcançar entre 16,8 e 24,5 GW de capacidade instalada (ou entre 2,9 e 4,3 GWmédios). Contudo, a tecnologia fotovoltaica responderá por 93% dessa expansão (MME/EPE, 2021).

    A expansão indicativa de geração elétrica será maior com a MMGD (20 GW com todos os recursos renováveis), seguida da eólica. Considerando-se que a GD fotovoltaica encerrou 2020 com 4,5 GW, a oferta de capacidade elétrica através da sua expansão pode alcançar cerca de 1,86 GW por ano, ou seja, de 30 a 50 milhões de módulos solares deverão ser instalados nos próximos dez anos considerando a variação da projeção.

    A indicação de acréscimo de capacidade é plausível porque a MMGD tem crescido à passos largos; somente em 2020 a GD fotovoltaica adicionou 2,6 GW de capacidade. Usinas fotovoltaicas entre 0,5 e 5 MW já totalizam mais de 300 unidades em todo o território nacional atendendo mais de 7.400 unidades consumidoras (ANEEL, 2021).

    Gráfico: expansão indicativa no período de 2020 a 2030 por tecnologia; GN (gás natural); GC (geração centralizada); RD (resposta da demanda). Fonte: dados coletados de MME/EPE (2021) e ANEEL (2021).

    Um dos principais motivos para a implementação de usinas solares é o custo da eletricidade produzida. O declínio contínuo dos preços dos módulos fotovoltaicos nos últimos anos é um dos principais fatores que refletiram custos mais baixos para a solar fotovoltaica, tanto na GD quanto na geração centralizada (GC). Atualmente o preço do Watt fotovoltaico pode ser tão baixo quanto um quarto de dólar. Mas no início dos anos 2000 custava 5 dólares. A queda de preços desde meados da década de 1970 até o presente tem sido exponencial com redução média de 20,2% no preço toda vez que a capacidade instalada acumulada dobrava (ROSER, 2020).

    De acordo com o PDE 2030, a faixa de CAPEX da tecnologia fotovoltaica (em R$ por kW) é tão competitiva quanto as demais tecnologias apresentadas no gráfico. Quanto aos custos de operação e manutenção (O&M), a tecnologia fotovoltaica apresenta o menor valor em R$ por kW x ano. Tudo isso se reflete em um dos menores custos totais por quantidade de energia produzida. O custo nivelado da eletricidade, conceito conhecido como Levelized Cost of Energy (LCOE), quantificado em R$ por MWh é o custo total por unidade de energia produzida em valor presente e considera o custo de capital, custos fixos e variáveis de operação e manutenção, custos com combustível (se houver) e quaisquer outros custos de uma usina de geração ao longo do seu ciclo de vida. O LCOE é usado como índice para comparação dos custos de geração dentre muitas tecnologias disponíveis.

    O custo nivelado de usinas fotovoltaicas será menor quanto maior a radiação solar disponível. Assim, certas localidades podem ser consideradas ótimas para implementação de usinas solares. A atratividade da geração fotovoltaica pode ser ainda maior se, além da radiação solar, a tarifa de eletricidade local for comparativamente alta. Quanto menor o custo nivelado, mais rápido será o retorno do investimento ou payback.

    Além do aspecto custo, a nova oferta de energia deve considerar tecnologias capazes de suprir o crescimento previsto da demanda e ao mesmo tempo preservar recursos naturais, mitigar riscos ou impactos sociais e ambientais e garantir tarifas módicas no uso final da energia elétrica. Além do baixo custo relativo, a tecnologia fotovoltaica pode conservar recursos naturais e a biodiversidade à medida que depende diretamente apenas da radiação solar.

    A GD fotovoltaica, baixa consumidora de água durante a sua operação, pode ser disseminada mais rapidamente em regiões onde a geração hidrelétrica é prejudicada devido às variações no regime hidrológico, especialmente onde o uso da água é concorrente com outras atividades como irrigação e navegação. O impacto sobre o ambiente é relativamente menor por emitir menos gases de efeito estufa (GEEs) por MWh produzido. Indiretamente, o impacto social também é reduzido considerando-se a emissão de GEEs e a produção de resíduos. Comparativamente à mesma quantidade de energia produzida, a tecnologia fotovoltaica é a mais segura dentre tecnologias como geração a carvão, petróleo, biomassa, gás natural, nuclear, hidrelétrica e eólica (RITCHIE, 2020).

    A GD fotovoltaica, então, é uma ótima modalidade para quem busca reduzir custos com eletricidade porque permite a busca pelas melhores localidades, rápida instalação, baixos custos de manutenção e flexibilidade para adequar a geração ao consumo. Baixo impacto social e ambiental somam forças quando a agenda de uma empresa relaciona ações para combate às mudanças climáticas e desenvolvimento sustentável.

    Referências

    ANEEL. Geração Distribuída. Acesso em 22 de junho de 2021. Disponível em www2.aneel.gov.br.

    _. Sistema de Informações de Geração da ANEEL. Acesso em 22 de junho de 2021. Disponível em www.aneel.gov.br/siga.

    MME/EPE. Plano Decenal de Expansão de Energia 2030. 2021.

    RITCHIE, Hannah. What are the safest and cleanest sources of energy? Our World in Data, 2020. Acesso em 24 de junho de 2021. Disponível em ourworldindata.org/safest-sources-of-energy.

    ROSER, Max. Why did renewables become so cheap so fast? And what can we do to use this global opportunity for green growth? Our World in Data, 2020. Acesso em 24 de junho de 2021. Disponível em ourworldindata.org/cheap-renewables-growth.

    Foto de capa de Matthew HenryUnsplash.


    1. CGH ou Central Geradora Hidrelétrica possui capacidade de geração de até 5 MW.

  • Norsk Solar assina contrato com a GDSolar e a Órigo para construção de 12 usinas solares

    Norsk Solar assina contrato com a GDSolar e a Órigo para construção de 12 usinas solares

    São Paulo 29 de junho de 2021 – A Norsk Solar, empresa com sede em Oslo, Noruega, assinou hoje um acordo com a GDSolar e a Órigo para a construção de 12 usinas fotovoltaicas no Brasil com capacidade de geração estimada de 37 MWp. O objetivo da Norsk Solar – que atua em mercados emergentes -, é financiar, construir e desenvolver uma carteira de projetos de energia solar direcionada para os setores corporativo e industrial.

    “Este acordo é um passo natural no plano de negócios da Norsk Solar no Brasil e consolida nossa entrada nesse mercado. Nossa equipe tem feito um excelente trabalho visando clientes dentro do espaço corporativo e industrial (C&I). O objetivo é suprir a demanda por energia limpa, barata e com custo previsível. Este é o primeiro projeto de um pipeline de rápido crescimento e está alinhado com nossas ambições de crescimento na região”, disse Øyvind L. Vesterdal, CEO da Norsk Solar. O investimento inicial previsto para essa fase totaliza R$ 150 milhões e a maior parte das usinas será construída no Estado de Minas Gerais. O contrato possui prazo de 25 anos. “O mercado corporativo e industrial brasileiro de energia solar está em rápido crescimento e vemos um grande potencial para nossa proposta de valor. Com essa operação estabelecemos uma marca forte no Brasil e garantimos uma boa posição de entrada no mercado. Nossa ambição é nos tornarmos um dos principais produtores de energia solar para clientes da C&I no País nos próximos anos”, afirma Mauro Benedetti, Country Manager para o Brasil da Norsk Solar. O desenvolvimento da operação, a modelagem do negócio e a construção dos projetos é de responsabilidade da GDSolar, pioneira e líder no desenvolvimento de energia solar no Brasil. A sociedade  com a GDSolar aumentará a reputação da Norsk Solar no mercado brasileiro e é um forte apoio ao posicionamento que a marca conquistou internacionalmente. “Aplicamos toda a nossa experiência para desenvolver esse modelo de negócio. Criamos a melhor e mais eficiente alternativa para que a nossa participação acionária com a Norsk facilite a entrada da empresa no mercado solar brasileiro. Também vamos oferecer eficiência energética sustentável para que a Órigo amplie sua base de clientes. Dessa forma estamos antecipando o movimento de retomada da economia previsto para o próximo ano. Considerando o cenário que o setor tradicional de energia sinaliza para 2022, construimos uma operação sob medida para que nossos parceiros tenham uma vantagem competitiva no mercado de energia limpa”, afirma Alexandre Gomes, CEO da GDSolar.

    A terceira empresa envolvida na operação é a Órigo Energia, pioneira no setor brasileiro de geração distribuída compartilhada e que atende atualmente através da gestão de cooperativas mais de 15 mil clientes, entre residências e pequenas empresas.

    A companhia, que tem em seu quadro de acionistas a TPG ART, MOV e Mitsui, é quem vai distribuir e gerir a energia das novas fazendas negociadas na operação. “Essa energia gerada será distribuída como créditos para os nossos clientes, em linha com o nosso comprometimento de democratizar o acesso à energia limpa no Brasil, tornando-a acessível a todos, especialmente aqueles que se encontram na base da pirâmide social”, comenta o CEO da Órigo Energia, Surya Mendonça, que completa: “A economia proporcionada por esse modelo de geração distribuída é bastante significativa para as famílias, especialmente no momento desafiador que vivemos em vários aspectos e em que o custo da energia elétrica está em patamares elevados no país”.

    Os projetos previstos nesse acordo estão alinhados com as diretrizes de investimento da plataforma de financiamento, a Nordic Impact Cooperation AS, estabelecidas pela Norsk Solar e Finnfund no início deste ano,  Por conta da pandemia de Covid-19, a cerimônia de assinatura entre a Norsk Solar, a GDSolar e a Órigo Energia será realizada simultaneamente no Consulado Honorário da Noruega no Brasil (São Paulo) e na Embaixada do Brasil na Noruega (Oslo). A Norsk Solar é uma produtora independente de energia solar de rápido crescimento, com 70 MW de ativos em operação ou em construção em mercados emergentes. A empresa possui um pipeline de projetos de 2 GW com foco em projetos solares corporativos e industriais, com escritórios na Noruega, Ucrânia, Nicarágua, África do Sul, Brasil e Vietnã.

    www.norsksolar.com

  • Energia solar em tempos de crise hídrica

    Energia solar em tempos de crise hídrica

    Os volumes dos principais reservatórios de água para geração elétrica no País descem a níveis preocupantes devido à escassez de chuvas, o que levou o governo federal a emitir alerta de emergência hídrica para Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso do Sul, São Paulo e Paraná. No subsistema Sudeste/Centro-Oeste a energia disponível nos reservatórios é de 30,8% para junho (ONS, 2021). O balanço hidrológico no período 2020-2021, noticiado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), resultou no pior aporte hidráulico desde 1931 (ANEEL, 2021).

    Diante destes fatos as preocupações aumentam e fazem lembrar o “apagão” de 2001 como ficou conhecido o iminente colapso de fornecimento elétrico que, apesar de ter sido evitado, legou o mais severo programa nacional de racionamento de eletricidade que durou cerca de 9 meses. À época, os consumidores precisaram reduzir compulsoriamente o consumo de eletricidade em 20% para evitar sobretarifas e cortes de fornecimento em caso de descumprimento.

    As possíveis causas que culminaram no apagão foram a estagnação de investimento no setor elétrico há vários anos, os volumes baixos nos reservatórios em 2001, além da alta dependência das hidrelétricas que somavam cerca de 85% da capacidade de geração. O racionamento de 2001 foi um duro revés e impactou severamente a atividade econômica brasileira. Em 2009, uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) concluiu que o custo direto do apagão foi de R$ 45,2 bilhões (em valores de 2009), sendo que 60% foram pagos diretamente pelos consumidores através de repasse tarifário. Mais de R$ 443 milhões (em valores de 2003) foram cobrados como sobretarifa dos consumidores por descumprimento da meta (TCU, 2009).

    O setor elétrico brasileiro foi reorganizado no fim dos anos 1990, seguindo uma tendência de liberalização do setor em nível mundial com mais participação privada. O Programa Prioritário de Termeletricidade (PPT), decretado em 2000, visava a construção de um parque termelétrico com investimento privado. O PPT não atingiu seu objetivo em tempo porque os investidores eram avessos aos riscos de mercado.

    Em 2004, entretanto, algumas mudanças estruturais ocorreram:

    1. Regulamentação da comercialização de energia elétrica em dois ambientes distintos:
      1. Ambiente de Contratação Livre (ACL), conhecido como Mercado Livre, em que contratos bilaterais entre grandes consumidores e geradores podem ser negociados livremente;
      2. Ambiente de Contratação Regulado (ACR), conhecido como Mercado Cativo, em que as tarifas são reguladas pela ANEEL e a contratação de energia é proveniente de leilões, uma mudança que gerenciou os riscos de mercado para que os investimentos privados fossem atraídos. Os vencedores dos leilões firmavam contratos de longo prazo. Assim, termelétricas, por exemplo, podiam ser contratadas e remuneradas mesmo quando não operavam, assegurando energia quando necessário.
    2. A Empresa de Pesquisa Energética (EPE), vinculada ao Ministério de Minas e Energia (MME), foi criada para prover estudos e pesquisas para subsidiar o planejamento do setor energético brasileiro, incluindo o setor elétrico, muito devido ao quase colapso elétrico nos anos de 2001 e 2002.
    3. A lei nº 10.848 sobre comercialização de energia elétrica considerou a geração distribuída (GD), pela primeira vez, como uma opção de contratação pelas empresas de distribuição. Mais tarde no mesmo ano, o decreto nº 5.163 (o mesmo que estabeleceu as regras do ACL e ACR) permitiu a contratação de energia elétrica proveniente de GD pelo agente de distribuição limitando a compra até 10% da carga atendida.

    A ampliação de um parque termelétrico fazia sentido pelo excesso de oferta de gás natural à época, proveniente do Gasoduto Brasil-Bolívia, servindo as termelétricas a gás que atuavam como complementação de fornecimento para as hidrelétricas no período seco. Mas tão logo a demanda de gás aumentou, ele próprio se tornou um problema com risco de escassez. As termelétricas, ainda que mais poluidoras que outras fontes renováveis, podiam ser facilmente despachadas e controladas pelo Operador Nacional do Sistema (ONS).

    Em 2014 a escassez de chuvas ressurge e derruba novamente o volume dos reservatórios, mas dessa vez o País, mais preparado, não raciona eletricidade, mas a própria água. Eletricidade podia ser produzida para atender a demanda com usinas termelétricas, prontas para despacho nas horas de alta demanda; entretanto, o ônus é explícito: o MWh é mais caro e o custo adicional é repassado sazonalmente aos consumidores através da chamada bandeira tarifária, vigente desde 2015, dado que o despacho de uma termelétrica poderia produzir eletricidade ao custo de até R$ 1.200/MWh. De acordo com o noticiado pela Reuters com dados da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), o custo de acionamento das termelétricas além do previsto soma R$ 3,9 bilhões no primeiro trimestre de 2021 e já superou 2020.

    Atualmente as hidrelétricas ainda respondem por aproximadamente 60% da capacidade total, mas o mix de geração é mais diversificado. Além das termelétricas, a geração expandiu com recursos renováveis como biomassa, eólica e solar fotovoltaica; essa última tanto na geração centralizada (GC) quanto na GD.

    Em 2012 a ANEEL regulamentou a GD permitindo que qualquer consumidor no Brasil pudesse produzir eletricidade para consumo próprio. Usinas de até 5 MW, mesmo que distantes dos centros de carga, são permitidos. Com o tempo, GD se tornou sinônimo de energia solar fotovoltaica que já responde por mais de 97% dos sistemas distribuídos com 6 GW instalados e mais de meio milhão de consumidores brasileiros com geração fotovoltaica (ANEEL, 2021).

    Apesar da natureza distribuída da energia solar, a maioria dos projetos contemplados nos últimos leilões de energia nova foram solares fotovoltaicos. Atualmente, cerca de 47% da expansão de geração é fotovoltaica (ANEEL, 2021); e isso tem um motivo: custo. Na expansão da GC a solar fotovoltaica atingiu o preço de R$ 67,48 /MWh em 2019 (CCEE, 2019). Na GD fotovoltaica, o kWh pode custar menos da metade da tarifa de eletricidade.

    Segundo o Plano Decenal de Expansão de Energia 2030, a projeção de micro e mini GD está entre 16,8 GW e 24,5 GW para 2030 (MME/EPE, 2021), acima da projeção para 2029 que era de 11,4 GW. A maior parte desta capacidade deve ser implantada com tecnologia fotovoltaica para autoconsumo e autoconsumo remoto.

    Apesar da liberalização do setor elétrico nos anos 1990, a concretização de tarifas baixas para os consumidores nem sempre foi possível. Em toda crise iminente as tarifas aumentaram para contornar o problema. Grandes consumidores buscaram tarifas mais baixas no ACL para aumentarem sua competitividade. Os consumidores cativos não pensam diferente e veem na geração própria de eletricidade, especialmente a GD difundida pela tecnologia fotovoltaica, uma forma de controle dos seus custos. Sem concorrência pela água ou combustíveis, a GD solar fotovoltaica tende a se expandir e será o principal recurso que modificará o setor elétrico.

    Referências

    ANEEL. Bandeira para o mês de maio é vermelha patamar 1. Acesso em 13 de junho de 21. Disponível em www.aneel.gov.br.

    _. Geração Distribuída. Acesso em 16 de junho de 2021. Disponível em www.aneel.gov.br.

    _. Sistema de Informações de Geração da ANEEL. Acesso em 16 de junho de 2021. Disponível em www.aneel.gov.br/siga.

    CCEE. Leilão de energia renovável tem deságio de 45% e gera investimentos de R$ 1,9 bi. Acesso em 16 de junho de 2021. Disponível em www.ccee.org.br.

    MME/EPE. Plano Decenal de Expansão de Energia 2030. 2021.

    ONS. Energia Agora: Reservatórios. Acesso em 13 de junho de 2021. Disponível em www.ons.org.br.

    Foto de capa de Dan MeyersUnsplash